
O último adulto que o jovem encara
- Eduardo Meneses
- há 4 dias
- 2 min de leitura
O último adulto que o jovem encara
“O professor é o único adulto que encara o jovem hoje.”
— Mário Sérgio Cortella
Essa frase foi dita há mais de dez anos, mas continua dolorosamente atual.
Em muitas casas, os pais não têm mais tempo, ou disposição, para acompanhar seus filhos. A vida corrida, o cansaço e a cultura da conveniência transformaram a autoridade familiar em algo opcional.
As crianças decidem o que comer, o que assistir, quando dormir e até se vão ou não respeitar regras. Aí, quando chegam à escola, encontram um adulto que ainda ousa dizer “não”.
O professor é quem pergunta do caderno, do uniforme, do comportamento. É o único que exige responsabilidade num mundo que os acostumou a ter tudo sem esforço.
E é justamente aí que começam os choques, porque, diante do professor, o jovem encontra o primeiro limite que não pode negociar.
Hoje cedo, vivi uma dessas cenas que revelam o tamanho do problema.
Em uma turma de nono ano, com vinte e dois alunos, propus uma atividade simples e individual. Foi então que um dos alunos — alto, por volta de um metro e setenta — levantou-se, arrastou sua carteira até a frente de outro colega, ainda mais alto, e sentou-se sem dizer nada.
Ambos começaram a conversar, ignorando completamente a atividade.
Pedi que voltasse ao seu lugar. Ele me olhou como se eu tivesse falado em japonês.
Expliquei: ele havia atravessado a sala, mudado de lugar, interrompido a aula e desrespeitado a ordem, sem sequer perguntar se podia.
Depois de alguma resistência, voltou.
Mas antes que se sentasse, eu disse: “Você e ele sabem que não conseguem trabalhar juntos. Por que não vai se sentar com o fulano, que faz as atividades direitinho e pode te ajudar?”
A expressão mudou.
“Posso sentar com ele?”, perguntou.
“Pode, para se ajudarem.”
E a paz voltou à sala.
Pode parecer banal, mas é disso que estamos falando.
Não é a escola que educa, é a família.
A escola apenas escolariza. Ensina o conteúdo, estrutura o raciocínio, amplia horizontes.
Mas quando a família abandona a educação, a escola é obrigada a ocupar um espaço que não é seu — e o resultado é o colapso que vemos todos os dias: indisciplina, desinteresse, violência e desrespeito.
Defender a escola pública é defender o último espaço de convivência social e republicana que o Brasil ainda tem.
É onde o filho do pedreiro e o filho do servidor dividem o mesmo espaço, a mesma merenda, o mesmo professor.
É ali que a cidadania começa a se construir — e também ali onde o abandono do Estado se revela com mais crueldade.
A escola pública é a base da educação brasileira. 85% dos alunos do ensino básico estão na escola pública.
Ela forma a maioria absoluta da população do país e depende diretamente de políticas públicas sérias e contínuas para funcionar.
Sem investimento, sem gestão e sem valorização dos profissionais, a escola pública resiste, mas à custa da exaustão de quem a sustenta: o professor.
Por isso, quando alguém pergunta por que o professor está cansado, a resposta é simples:
Porque ele não é apenas professor. É o último adulto que ainda tenta ensinar o que o resto do mundo desaprendeu: respeito, limites e humanidade.


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